TJBA 26/01/2022 -Pág. 539 -CADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA -Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.026 - Disponibilização: quarta-feira, 26 de janeiro de 2022
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Por fim, para garantia da principiologia constitucional, da celeridade e mecanismos de acesso à justiça, imprescindível a existência de
estruturas do Poder Judiciário que possibilitem a facilidade de acesso rápido e gratuito à justiça. Em consequência, atualmente, diferente de duas décadas passadas, o sistema de juizados especiais cíveis e de defesa do consumidor, está muito mais apto e aparelhado
para garantir ao jurisdicionado o acesso à justiça que lhe assegura a Constituição.
VIII - A “complexidade” e tecnologias
Com o advento de novidades tecnológicas as mais diversas e o desenvolvimento de sistemas de Internet específicas para o Judiciário,
a exemplo de calculadoras de juros, inteligência artificial etc., não se se pode adotar o mesmo conceito de complexidade de 20 anos
atrás. A conferência de cobrança de juros, por exemplo, pode ser realizada no site do Banco Central do Brasil, a exibição de vídeos por
ser por utilização do mais simples smartphpone e até as intimações são realizadas através do aplicativo Whatsapp. Partes e testemunhas são ouvidas instantaneamente em qualquer lugar do planeta que possa se conectar à rede mundial de computadores.
Do exposto, com essas novas tecnologias, as Varas do Sistema dos Juizados contam com vasto instrumental para solução dos conflitos envolvendo as relações de consumo.
O Enunciado 54 (FONAGE) orienta no sentido de que “A menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo
objeto da prova e não em face do direito material”.
Sendo assim, o que importa, na definição da complexidade da causa, é o que se quer provar e não o direito material questionado, ou
seja, taxas de juros e outros encargos, bem como a interrupção do fornecimento de serviços essenciais podem ser provados em sede
de Juizados Especiais através de perícia informal (ENUNCIADO 12 – A perícia informal é admissível na hipótese do art. 35 da Lei
9.099/1995) ou através de parecer técnico, conforme disposto no artigo 35, Lei 9.099/95: “Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá
inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico”.
De sua vez, os Enunciados 70 e 94 orientam no sentido da possibilidade de ações revisionais de contrato e discussão sobre a ilegalidade de juros em sede de Juizados Especiais, exceto quando o caso exigir perícia contábil.
ENUNCIADO 70 – As ações nas quais se discute a ilegalidade de juros não são complexas para o fim de fixação da competência dos
Juizados Especiais, exceto quando exigirem perícia contábil (nova redação – XXX Encontro – São Paulo/SP).
ENUNCIADO 94 – É cabível, em Juizados Especiais Cíveis, a propositura de ação de revisão de contrato, inclusive quando o autor
pretenda o parcelamento de dívida, observado o valor de alçada, exceto quando exigir perícia contábil (nova redação – XXX FONAJE – São Paulo/SP). (https://www.cnj.jus.br/corregedoria-nacional-de-justica/redescobrindo-os-juizados-especiais/enunciados-fonaje/
enunciados-civeis/)
A perícia contábil, de outro lado, segundo definição do Conselho Federal de Contabilidade, publicada na Norma Brasileira de Contabilidade – NBC TP 01, de 19 de março de 2020, é “O conjunto de procedimentos técnico-científicos destinados a levar à instância decisória elementos de prova necessários a subsidiar a justa solução do litígio ou constatação de fato, mediante laudo pericial contábil e/ou
parecer pericial contábil, em conformidade com as normas jurídicas e profissionais e com a legislação específica no que for pertinente”.
(https://www1.cfc.org.br/sisweb/SRE/docs/NBCTP01(R1).pdf)
Depreende-se, portanto, que para os casos de ilegalidade de taxas de juros e outros encargos ou constatação de interrupção de serviços essenciais, bem como em casos que podem ser evidenciados através de parecer técnico, absolutamente descabida a perícia
contábil, conforme definição do Conselho Federal de Contabilidade.
Por fim, no nosso entender, o argumento da “complexidade” da causa não pode mais ser utilizada de forma genérica, visto que as
novidades tecnológicas e os sistemas desenvolvidos pelo judiciário, oferecem ao magistrado inúmeras possibilidades de consultas e
obtenção de pareceres técnicos para elucidação das causas que lhe são propostas, a exemplo da Calculadora do Cidadão disponibilizada pelo Banco Central do Brasil em seu site e também em formato a App para smartphones, bem como diversas outras ferramentas
de cálculo disponibilizadas em sites de Tribunais de Justiça do Brasil.
IX – Conclusão
Por todo o exposto, com fundamento no artigo 64, § 1º, do Código de Processo Civil, considerando a existência de milhares de processos em tramitação perante o juízo dessa Comarca relacionados a causas previstas na competência do sistema dos juizados; considerando que essa Comarca conta com duas varas do sistema dos juizados devidamente providas de juízes togados; considerando que a
Comarca de Conceição do Coité não tem sequer varas instaladas e conta com apenas um juiz togado; considerando que as varas dos
juizados conta com estrutura moderna, assessores, conciliadores e juízes leigos; considerando que a Comarca de Conceição do Coité
não conta com esses servidores; considerando que o fundamento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tinha como
argumento principal exatamente a falta de estrutura em seus primórdios; considerando que os Juizados Especiais dispões atualmente
de excelente estrutura e servidores capacitados; considerando que a principiologia constitucional será melhor cumprida se essas ações
tivessem sido ajuizadas perante as varas do sistema dos juizados; considerando que a Lei 9.099/95 adota procedimento diverso do
Código de Processo Civil, inviabilizando a remessa dos autos para uma das varas dos juizados dessa Comarca; considerando que os
autos são digitais e os documentos podem ser aproveitados em outras ações, DECIDO:
Preliminarmente, contrariar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por entender que não mais subsistem os motivos
que fundamentaram as decisões de 20 anos atrás, entendendo pela revisão da citada jurisprudência para reconhecer a competência
absoluta dos juizados especiais cíveis nas causas previstas na lei nº 9.099/95.
Em consequência:
A) Extinguir o processo sem apreciação do mérito e determinar o arquivamento dos autos, podendo o advogado aproveitar da prova
documental já produzida, caso queira, em outra ação;
B) Determinar a baixa do processo no sistema PJE;
C) Dispensar a parte autora do pagamento de custas e honorários;
D) Em havendo valores depositados, expeça-se o Alvará ou proceda-se a liberação em favor do beneficiário.
E) Em sendo o caso, fica revogada a decisão liminar inicialmente deferida.
Proceda-se as publicações e movimentação no sistema PJE.
Após o trânsito em julgado, arquive-se.