TJSP 11/11/2020 -Pág. 241 -Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 11 de novembro de 2020
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano XIV - Edição 3165
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ADV: EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA (OAB 123199/SP), MARINA FREITAS DE ALMEIDA (OAB 341552/SP)
Processo 1079160-53.2020.8.26.0100 - Procedimento Comum Cível - Transporte Aéreo - Bernardo Kaplan Moscovici - Gol
Linhas Aereas S.A - Vistos. BERNARDO KAPLAN MOSCOVICI, qualificado nos autos, ajuizou a presente AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS em face de GOL LINHAS AÉREAS S.A., igualmente qualificada,
sustentando, em resumo, ter adquirido junto ao site 123MILHAS passagens aéreas de ida e volta para o trecho Guarulhos Aracajú a serem operacionalizadas pela ré nos dias 31 de julho e 3 de agosto do corrente ano, no valor de R$ 805,13. Disse que
o trecho completo de ida Guarulhos Aracajú se realizou sem quaisquer embaraços, e que em relação ao trecho de volta houve
cancelamento do voo por problema da malha aérea, o que motivou a aquisição de passagem aérea junto a outra companhia.
Afirma ter direito a indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do cancelamento de voo e dos respectivos
desdobramentos práticos em as vida, a saber, necessária aquisição de nova passagem junto à companhia aérea diversa;
chegada ao destino contratado com mais de dez horas de atraso em relação ao horário originalmente contratado, ausência total
de assistência material pela ré, e perda de um dia inteiro de trabalho. Pleiteou a a inversão do ônus da prova e a procedência da
ação com a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material no valor de R$ 1.727,44 e de indenização por
dano moral no valor de R$ 8.000,00, além das verbas de sucumbência (fls. 1/21). Com a inicial vieram documentos (fls. 22/47).
Citada, a ré apresentou contestação arguindo, preliminarmente, carência de ação. Quanto ao mérito, em resumo, sustentou
excludente de responsabilidade civil, a saber, culpa exclusiva de terceiro, uma vez que a alteração foi informada com
antecedência à agência de viagens em que adquiridas as passagens, que, por sua vez, não comunicou o fato ao requerente.
Mencionou cumprimento ao artigo 12, da Resolução 400, da ANAC. Negou a existência de danos materiais e morais indenizáveis.
Pleiteou a improcedência da ação (fls. 53/72). Com a contestação vieram documentos (fls.73/116). Houve réplica (fls. 117/133).
Intimadas a especificarem provas (fls. 134), as partes disseram que não tinham outras a produzir (fls. 137/138 e 139/140). É O
RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, I, do Código
de Processo Civil, uma vez que, sendo de fato e de direito a controvérsia nele instalada, suficiente a prova documental já
produzida nos autos. A preliminar de falta de interesse processual arguida em contestação fica rejeitada, uma vez que o autor
tem pleno interesse ao ajuizamento da presente ação em que, pelo meio processual adequado, busca tutela jurisdicional útil e
necessária, ainda que em tese. O esgotamento da via administrativa não é requisito de acesso ao Poder Judiciário. Finalmente,
observe-se que a pretensão resistida, por apresentação de contestação com pedido de total improcedência da ação, permite
concluir pela total inutilidade do esgotamento da via administrativa. Quanto ao mérito, a ação é parcialmente procedente. A
narrativa fática de inicial é incontroversa, quanto: a) à aquisição das passagens pelo autor junto à ré, ainda que por intermédio
de agência de viagens; b) ao cancelamento do voo de retorno por problema da malha aérea; c) à aquisição de passagem aérea
pelo autor junto a uma outra companhia. Não há duvida de que a relação jurídica havida entre as partes é de consumo, uma vez
que o contrato por elas celebrado se amolda, e perfeitamente, ao disposto nos artigos 2º e 3º, do Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/90). A inversão do ônus da prova, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, mostra-se
desnecessária no presente caso, incumbindo às partes o natural ônus previsto na legislação processual. O ilícito civil é inegável.
A responsabilidade do transportador só pode ser elidida com a prova da força maior, nos termos do artigo 734, caput, do Código
Civil, in verbis: Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo
motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. O cancelamento do voo de retorno por
problema da malha aérea constitui fortuito interno e não afasta o dever de indenizar, na medida em que se trata de evento
previsível com a atividade desempenhada pela ré. O argumento defensivo no sentido de que o cancelamento do voo foi
tempestivamente comunicado à agência de viagens que, por sua vez, não repassou a informação ao requerente a bom tempo,
não pode ser acolhido. Conforme bem observado pelo requerente em sua réplica, não há nos autos prova alguma de que a
requerida, de fato, tivesse comunicado à agência de viagens 123MILHAS o cancelamento do voo de retorno. Observe-se que a
comunicação do cancelamento foi feita pela ré, poucas horas antes do horário previsto para embarque (fls.32). No mais, não
poderia ser afastada a responsabilidade da requerida mesmo que tivesse comunicado à agência de viagens o cancelamento do
voo, o que se admite apenas para argumentar, porque existe solidariedade de todos os envolvidos na cadeia de prestação
serviços, os quais efetivamente respondem pelos vícios e danos decorrentes da referida atividade, nos termos dos artigos 7º,
parágrafo único, 18, 19 e 25, § 1º, todos do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, a excludente de responsabilidade civil
não pode ser aceita. A requerida deve arcar com as reparações pretendidas. O dano material está demonstrado com os
documentos de fls.33/38, e consiste nas despesas com a nova passagem e alimentação. Não há nos autos qualquer prova no
sentido de que a ré tivesse prestado qualquer tipo de assistência ao autor, inclusive de que a ele tivesse oportunizado o
embarque em outro voo. Com efeito, a requerida não juntou qualquer comprovante neste sentido. Além do mais, não se pode
negar que a ré não informou o autor sobre os fatos por escrito e justificadamente, nem lhe deu a assistência necessária para
minimizar sua condição; ao menos não alegou que tenha feito, nem provou que o fizera. Nesse sentido o Colendo Superior
Tribunal de Justiça: (...) 1. A controvérsia diz respeito à pratica, no mercado de consumo, de cancelamento de voos por
concessionária sem comprovação pela empresa de razões técnicas ou de segurança. (...) 3. O transporte aéreo é serviço
essencial e, como tal, pressupõe continuidade. Difícil imaginar, atualmente, serviço mais “essencial” do que o transporte aéreo,
sobretudo em regiões remotas do Brasil. 4. Consoante o art. 22, caput e parágrafo único, do CDC, a prestação de serviços
públicos, ainda que por pessoa jurídica de direito privado, envolve dever de fornecimento de serviços com adequação, eficiência,
segurança e, se essenciais, continuidade, sob pena de ser o prestador compelido a bem cumpri-lo e a reparar os danos advindos
do descumprimento total ou parcial. 5. A partir da interpretação do art. 39 do CDC, considera-se prática abusiva tanto o
cancelamento de voos sem razões técnicas ou de segurança inequívocas como o descumprimento do dever de informar o
consumidor, por escrito e justificadamente, quando tais cancelamentos vierem a ocorrer. 6. A malha aérea concedida pela ANAC
é oferta que vincula a concessionária a prestar o serviço nos termos dos arts. 30 e 31 do CDC. Independentemente da maior ou
menor demanda, a oferta obriga o fornecedor a cumprir o que ofereceu, a agir com transparência e a informar adequadamente
o consumidor. Descumprida a oferta, a concessionária viola os direitos não apenas dos consumidores concretamente lesados,
mas de toda a coletividade a quem se ofertou o serviço, dando ensejo à reparação de danos materiais e morais (inclusive,
coletivos). (...). (REsp 1469087/AC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 18/08/2016, DJe 17/11/2016).
A ausência de assistência mais efetiva somada ao atraso à chegada ao destino final implica, inegavelmente, dano moral. É
verdade que cancelamentos e atrasos são corriqueiros no serviço de transporte aéreo, tanto em relação a voos domésticos
quanto em relação a trajetos internacionais, contudo, no caso dos autos, o cancelamento sem qualquer comunicação e a demora
à chegada ao destino final fogem do razoável e ensejam indenização por dano moral. Confira-se a orientação da jurisprudência
deste Egrégio Tribunal de Justiça, in verbis: DANO MORAL - Responsabilidade civil - Transporte aéreo - Atraso de vôo de quase
sete horas na decolagem - Responsabilidade objetiva - Ausência de provas, por parte da empresa transportadora, que o atraso
ocorreu por motivo de força maior, nem que cumpriu todas as obrigações acessórias de prestar informações, conforto e
tranquilidade aos passageiros - Dano configurado - Montante adequadamente fixado - Sentença ratificada com amparo no art.
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º