TRT3 13/10/2020 -Pág. 1723 -Judiciário -Tribunal Regional do Trabalho 3ª Região
3078/2020
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
Data da Disponibilização: Terça-feira, 13 de Outubro de 2020
1723
483, §3º, da CLT.
tocante ao desconto efetuado na remuneração da parte autora em
No caso do abandono de emprego além da ausência da parte
razão da diferença de caixa, afasto a rescisão indireta sob o
autora ao serviço, há a necessidade de que esta tenha a intenção
fundamento ora analisado.
de abandoná-lo (animus derelinquendi).
Quanto às alterações de escalas, a testemunha ouvida a rogo da
Na hipótese dos autos, se, deveras, a parte autora incidiu na falta
parte autora declarou que “não havia prazo formal para
eriçada, a empresa teria que ter encerrado o contrato por justa
comunicação das trocas de turno do mesmo empregado, havendo
causa, propondo ação consignatória para pagamento das verbas
apenas um aviso com 2 dias de antecedência por deliberação da
resolutórias. Mas, pelo contrário, esperou, inerte, o ajuizamento da
gerência, para que o empregado pudesse se adaptar”.
reclamatória para alegar que a parte reclamante deixou de prestar
Já a testemunha da parte reclamada afirmou o seguinte: “que o
serviços, o que, por si só, caracteriza perdão tácito, pela ausência
gestor da empresa combinou com o reclamante que este iria
de imediatidade.
trabalhar em turno fixo em dias específicos em razão de frequentar
A parte ré, em verdade, não empreendeu medidas prolifáticas
aulas no período noturno e que nos outros dias ele seria vendedor
efetivas e necessárias para caracterizar o abandono, considerando
responsável, não tendo turno fixo nesses dias; (...); que já ocorreu
que, além de não ter encerrado o contrato, não cientificou a parte
do turno do reclamante ser alterado na véspera”.
reclamante de que deveria retornar ao trabalho.
Pela prova oral encimada ficou comprovado que a parte autora tinha
Tecidos os sobreditos esclarecimentos, passo a análise dos motivos
plena ciência de que só teria escala fixa enquanto laborasse como
em que se fundamentam o pedido de rescisão indireta.
vendedor, não quando exercesse função gerencial, ainda que na
Do próprio relato exordial se infere que a parte autora exercia
condição de substituto.
função gerencial quando sofreu desconto de diferenças de cofre.
Não se pode entender, portanto, que a alteração da escala da parte
Segundo a prova testemunhal, a parte autora ficava responsável
autora no período de exercício de função gerencial provisória haja
pelo cofre quando atuou em função gerencial. Nesse sentido, a
sido fruto de retaliação pela recusa em aceitar o desconto das
testemunha Sra. Andresa Coimbra de Oliveira, que também exercia
diferenças de cofre apuradas pela parte reclamada.
cargo gerencial, narrou o seguinte: “que a auditoria apurou
Nesse ínterim, no caso dos autos, não observo falta grave do
diferença no período em que o reclamante estava exercendo a
empregador a ensejar o rompimento contratual pela via oblíqua.
função de gerente, no turno deste”. A referida testemunha ainda
Ora, a justa causa, seja quem a pratique, deve ser um fato grave
revelou a regularidade do procedimento da parte reclamada, que
que quebre a fidúcia que deve existir entre as partes numa relação,
deu conhecimento prévio acerca dos descontos a serem efetuados
como estabelecem os artigos 482 e 483, ambos da CLT. Ou, ainda,
em caso de serem apuradas diferenças no cofre.
como sustenta Sérgio Pinto Martins em sua obra "Direito do
A esse respeito, as informações trazidas pela testemunha Sra.
Trabalho", 24ª Edição, editora Atlas, p. 367:
Luiza Isabela Ferreira de Paula são irrelevantes, na medida em que
"A irregularidade cometida pelo empregador deve ser de tal monta
ela nunca exerceu função gerencial, não tinha conhecimento sobre
que abale ou torne impossível a continuidade do contrato."
o procedimento adotado em caso de diferenças no cofre e não
Julgo, aliás, que toda conduta que configure ilícito, seja de natureza
trabalhava no mesmo turno da parte reclamante na ocasião em que
contratual ou extracontratual, deve ser grave e, diversamente do
foram detectadas as diferenças.
que ocorre hoje no Judiciário, revestida de um mínimo de aderência
Ao contrário do alegado na exordial, os contracheques demonstram
com a realidade.
que a parte autora recebia pela substituição do gerente, sob a
Em vista disso, não reconheço a justa causa patronal, restando
rubrica “GRATIF.COB.GERENCIA”, o que ocorreu, por exemplo, em
improcedentes os pedidos de aviso-prévio e projeções, indenização
abril e maio de 2019 (fl. 144 do PDF). Resta afastada, portanto, a
de 40% sobre o FGTS, bem como entrega das guias para
alegação de que a substituição não gerava direitos inerentes ao
soerguimento dos depósitos do fundo de garantia e habilitação no
cargo gerencial.
programa do seguro-desemprego.
O que se tem diante da prova produzida é que a parte autora sofreu
A prestação jurisdicional deve se adequar à realidade, sendo assim,
desconto decorrente de diferença de cofre enquanto exercia função
tendo em vista que as partes informaram em audiência que o último
gerencial para a qual era devidamente remunerado, tendo prévio
dia trabalhado recaiu em 31/08/2019 (fl. 360 do PDF), e sendo
conhecimento do procedimento adotado pela parte reclamada
incontroverso que a iniciativa de deixar de trabalhar na empresa
quanto ao desconto.
reclamada foi da parte autora, declaro que a rescisão ocorreu
Como não se verifica prática irregular por parte da empresa no
naquela data, inserindo-se na modalidade de pedido de demissão.
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