TJBA 13/06/2022 -Pág. 861 -CADERNO 3 - ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA -Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.117- Disponibilização: segunda-feira, 13 de junho de 2022
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Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade
de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.
Art. 54, § 3º. Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo
tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
A respeito da matéria contratual submetida a apreciação, a Reserva de Margem Consignável (RMC) possui previsão no art. 6º
da Lei n. 10.820/03, cuja redação dada pela Lei n. 13.175/2015 dispõe o seguinte:
Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que
a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento
mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando
previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS.
Com o intuito de fomentar o consumo e a economia, foi editada a Medida Provisória n. 681/2015, convertida na Lei n. 13.172/2015,
que alterou a Lei n. 10.820/2003, para majorar o limite de consignação para 35% (trinta e cinco por cento).
Esses 5% (cinco por cento) adicionais são específicos para utilização em linha de cartão de crédito, administrado pelo próprio
agente mutuante, conforme a nova redação dos arts. 1º, §§1º e 2º, III, da citada Lei n. 10.820/2003.
Deve-se asseverar que a constituição de Reserva de Margem Consignável (RMC) depende de expressa autorização do consumidor aposentado e da estipulação de parcelas e valores, conforme prevê a Instrução Normativa do INSS n. 28/2008, alterada
pela Instrução Normativa do INSS no 39/2009.
Ademais, como se sabe, os negócios jurídicos de toda e qualquer ordem devem ser interpretados conforme a boa-fé e corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado (art. 113, §1º, I, do CC), e os contratantes são obrigados a guardar os princípios
da probidade e boa-fé tanto nas tratativas quanto na execução contratual (art. 422 do CC).
No caso em análise, o contrato discutido é classificado como de adesão, de modo que deveria ser redigido em termos claros e
com caracteres ostensivos e legíveis, com tamanho da fonte legível, para facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Note-se que esse imperativo legal foi disposto justamente para que os consumidores, que possuem de forma inerente alguma
vulnerabilidade (técnica, econômica ou jurídica), pudessem ter ciência inequívoca dos termos do contrato entabulado. Ou seja, o
objetivo da lei é de facilitação da compreensão pelo consumidor.
E, há de se convir, não é o que ocorreu no caso dos autos.
O contrato trazido aos autos (id 164690060) apresenta letras deveras pequenas, sem o mínimo de espaçamento e com grande
parte do texto negritado, em destaque, o que dificulta a compreensão e interpretação das obrigações contratuais, sobretudo para
pessoa idosa e vulnerável diante da instituição financeira.
Em outras palavras, de uma análise superficial do contrato já é possível verificar que não houve respeito às normas vigentes, não
sendo observada a necessária facilitação da compreensão pelo consumidor.
O art. 52, IV, do CDC dispõe:
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor,
o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:
I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;
II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;
III - acréscimos legalmente previstos;
IV - número e periodicidade das prestações;
V - soma total a pagar, com e sem financiamento.
Analisando mais uma vez o contrato, não se vislumbra a informação referente ao número exato de parcelas e a periodicidade das
prestações, embora tais informações também sejam exigidas pelo art. 21 da Instrução Normativa n. 28/2008 do INSS.
A pouca clareza contratual e a ausência de informações imprescindíveis certamente tem por fito possibilitar o empréstimo travestido de uso de cartão de crédito, com juros próprios deste e com desconto de valor mínimo em folha de pagamento, praticamente
instituindo uma cobrança perpétua, de impossível liquidação.
Ora, no ritmo das transações demonstradas nos autos, a dívida da consumidora se manteria em patamar mínimo que jamais
seria reduzido, muito menos extinto.
Portanto, resta evidente que a ré obteve vantagem manifestamente excessiva, o que, reitere-se, configura prática abusiva.
É importante ainda registrar que o meio utilizado para a realização do empréstimo não foi adequado. Usou a requerida de ferramenta disponível para, utilizando-se dos juros de cartão de crédito, conceder empréstimo pretensamente consignado.
As faturas trazidas aos autos pela ré (id 164690062) comprovam que a parte autora jamais utilizou o cartão para outros fins além
do “saque”/empréstimo. Em verdade, o cartão foi somente um meio para a concessão de um empréstimo, havendo verdadeiro
condicionamento de adesão a outro produto.