TJSP 09/09/2010 -Pág. 191 -Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: Quinta-feira, 9 de Setembro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano III - Edição 792
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“COBRANÇA - Contrato bancário - Adiantamento a depositante - Dívida demonstrada nos extratos de movimentação da contacorrente - Contrato de adesão que, por si só, não caracteriza pactuação abusiva, tendo sido firmado livremente pelo devedor,
dele se beneficiando”. Ressalte-se, na esteira dessa argumentação, que o princípio da força obrigatória dos contratos não é
fruto da imaginação fértil de jurisconsultos desocupados, mas sim decorrência de uma necessidade social, qual seja, trazer
segurança jurídica às pessoas. A propósito, salienta o já citado Orlando Gomes que “essa força obrigatória atribuída pela lei aos
contratos é pedra angular da segurança do comércio jurídico”. Entender o contrário, seria desconsiderar o ato jurídico perfeito e
permitir que campeie a má-fé nas relações jurídicas. Sendo assim, não há como dar guarida às teses veiculadas na inicial
acerca da invalidade do contrato e de suas cláusulas. Tendo recebido cópia da minuta contratual, presume-se tenha tomado
conhecimento das cláusulas que se dispôs a cumprir, de sorte que o pedido de reconhecimento de abusividade das taxas e
encargos deve ser rechaçado. Ademais, o autor é capaz para os atos da vida civil, devendo responder pelos atos que pratica.
Frise-se que as taxas e os encargos contratados constaram expressamente do instrumento que o autor leu, assinou e recebeu
cópia, de maneira que é inadmissível que alegue abusividade e recuse o cumprimento. Sendo assim, remanesce válida e
vigente, na íntegra, a relação contratual havida entre as partes. Por conseguinte, legítima é a cobrança do principal e dos
encargos. As disposições do Decreto n. 22.626/33 são inaplicáveis às instituições financeiras. A Súmula 596 do STF preconiza
que “As disposições do Decreto n. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações
realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”. Nesse passo: “JUROS
CAPITALIZADOS - Cobrança por banco - Legalidade - Aplicação da Súmula 596 do STF (TJMS)”. Ajunte-se que, desde a edição
da Lei nº 4.595/64, também chamada Lei da Reforma Bancária, que o Decreto nº 22.626 tornou-se inaplicável às operações e
serviços onde participem as instituições financeiras. Desde então, a competência para fixar as regras foi atribuída ao Conselho
Monetário Nacional, conforme remansosa jurisprudência. A antecipação do VRG não transmuda o contrato de leasing para
contrato de compra e venda a prazo. Essa circunstância “configura uma espécie de caução para futura aquisição do bem. No
máximo, a cláusula poderia ser tida como irregular pela incompatibilidade com as outras formas de resolução do contrato de
leasing que não a compra do bem: a restituição e a renovação do arrendamento. Mas sua eventual imprestabilidade não
desnatura o contrato, que é de arrendamento mercantil por prever claramente uma determinada contraprestação pelo uso do
bem”. O arrendamento é contrato em que o arrendatário paga aluguel pela utilização do bem. Tem ele natureza complexa,
abrangendo a locação, numa primeira fase, e a compra e venda, a final. Portanto, parte da parcela mensal é aluguel pela
utilização do bem e como aluguel não deve ser restituído à arrendatária. Outro componente da parcela é o valor residual
garantido (VRG), que também não autoriza restituição. Para sua fixação levam-se em conta a depreciação do valor do bem, o
tempo de sua utilização e o montante que será devido pelo arrendatário no final da operação, caso ele opte pela compra. Frisese que a cobrança antecipada do VRG, junto com o valor das parcelas, é legítima e se inclui entre as características típicas do
arrendamento mercantil, destinando-se a permitir que o arrendatário exerça a opção de compra no final do prazo estabelecido.
Nesse sentido é a lição de Carlos Alberto Di Agostini, segundo quem “O valor residual é obrigatório e deve ser estabelecido em
contrato para que, ao término deste, a empresa arrendatária possa exercer a opção de compra do bem por este valor. Ele pode
ser expresso através de uma percentagem do valor de aquisição, pago a vista, junto com a prestação ou somente no final do
contrato”. No mesmo passo: JTA 174/449 e 459; Ap. n. 520.548/0, rel. Juiz João Saletti, j. 1.9.98; Ap. n. 520.955, rel. Juiz Felipe
Ferreira, j. 29.6.1998 (BAASP 2.072/Ementário n. 13/98 do 2º TAC, p. 3); Ap. n. 519.114, rel. Juiz Renato Sartorelli, 15.6.98;
Embargos de Declaração n. 527.711, rel. Juiz Narciso Orlandi, j. 10.6.98; Ap. n. 515.202, rel. Juiz Soares Levada, j. 29.4.98; Ap.
n. 505.494, rel. Juiz Cambrea Filho, j. 24.3.98, todos do Segundo Tribunal de Alçada Civil. Essa é também a posição perfilhada
pelo Ministro Athos Gusmão Carneiro em artigo doutrinário publicado na RT 743/11. Ora, foi o autor quem optou pela aquisição
de veículo na forma de arrendamento, não podendo agora insurgir-se contra sua própria escolha. Não existe prova da cobrança
de juros capitalizados. Mas ainda que assim não fosse, ad argumentandum, seria, no mínimo, iníquo vedar às instituições
financeiras a cobrança de juros capitalizados se os pagam, por exemplo, aos depositantes de cadernetas de poupança. Ademais,
o que a Lei de Usura veda é o anatocismo (juros sobre juros), que não se confunde com a capitalização dos juros, usualmente
empregada nos contratos bancários e em consonância com a ordem jurídica vigente. A propósito, leciona Fran Martins que “A lei
não permite a cobrança de juros sobre juros, ou seja, o anatocismo (Código Comercial, art. 253; Dec. n. 22.626/33, art. 4o).
Entretanto não está incluída na proibição a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
Igualmente, podem as partes convencionar que os juros devidos e não pagos sejam capitalizados, passando a ser cobrados
juros a partir da capitalização, pois, no caso, o que realmente se verifica é o aumento do montante do capital emprestado com a
importância dos juros vencidos”. No que concerne à eficácia do artigo 192, § 3o da Constituição Federal, a Súmula 648 do STF
consolidou o entendimento de que “A norma do §3o do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa
de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”. Logo, também não aproveita
ao autor invocar o referido dispositivo constitucional. Nada obsta a cobrança da comissão de permanência pela taxa vigente no
dia de liquidação, conforme faculta a Resolução n. 1.129, de 15.05.86, do Conselho Monetário Nacional. O STJ, a propósito, já
reconheceu que não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência ou juros remuneratórios
calculados pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitadas à taxa do contrato (Súmulas 294 e 296).
Nada há de irregular quanto à forma de contagem dos juros, pois prevalece o pactuado pelas partes. Ora, os juros moratórios
não se destinam a remunerar o valor do capital, mas sim a compensar o atraso no pagamento, tendo, portanto, causa distinta da
dos juros remuneratórios, com os quais podem ser cumulados, até a efetiva devolução do capital emprestado. A propósito: “A
Turma deu provimento ao recurso, para o fim de permitir a cobrança cumulada, desde que pactuada, de juros remuneratórios e
moratórios, após o inadimplemento, por entender que as finalidades das taxas das duas modalidades de juros são absolutamente
distintas. Os juros remuneratórios nada mais fazem do que compensar o mutuante pelo uso do capital por parte do mutuário,
durante todo o período em que este último dispuser do dinheiro. Os juros moratórios, por sua vez, têm caráter indenizatório,
servindo como desestímulo à impontualidade e vindo a incidir somente em caso de atraso no cumprimento da obrigação,
onerando o capital mutuado pelo período em que o tomador do empréstimo estiver em atraso (STJ, REsp nº 194.262-PR,
Relator Ministro Cesar Rocha, j. 08.02.2000)” (grifei). Na espécie, a aplicabilidade dos dispositivos do Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078/90), em tese, é fora de dúvida. Todavia, na relação entre as partes não se vislumbra afronta à referida
lei, de maneira que não há espaço para incidirem suas disposições, pois não restou provada a “vantagem abusiva” de uma das
partes suscetível de ensejar a intervenção estatal para recompor o “equilíbrio”, sobretudo porque o autor estava prévia e
perfeitamente ciente das condições em que celebrava o contrato. Entender o contrário seria subestimar-lhe a capacidade. A
inversão do ônus da prova não é “obrigatória”, mas uma possibilidade, a critério do Juiz (e não da parte), quando presentes os
requisitos do artigo 6º, inciso VIII da Lei n. 8.078/90, o que não é o caso dos autos, uma vez que o autor não pode ser tido como
hipossuficiente e as alegações da inicial não são verossímeis. Por fim, não se cogita de lesão. A Lei de Economia Popular (Lei
nº 1.521/51) erigiu em crime as condutas que caracterizem usura pecuniária e também a usura real (vantagem excessiva),
sendo que apenas esta última pode ser caracterizada como lesão. Na lição de Caio Mário da Silva Pereira, lesão é o prejuízo
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º