TJSP 05/05/2022 -Pág. 1583 -Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quinta-feira, 5 de maio de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XV - Edição 3499
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à fl. 141, tendo o prazo transcorrido sem resposta (fl. 144), motivo pelo qual lhe foi nomeado curador especial, que apresentou
contestação às fls. 153/155 por negativa geral, requerendo, ainda, a gratuidade da justiça. Em nova réplica, a parte autora
reiterou os termos expostos na exordial. Após, os autos vieram conclusos. É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.
Inicialmente, a contestação da ré VIXX não é intempestiva, eis que o prazo para apresentação da peça se iniciaria apenas com
a juntada do aviso de recebimento, do mandado ou do transcurso do prazo inserto em edital, na forma do art. 231, § 1º, do
Código de Processo Civil. No caso concreto, como visto, a ré BAR E RESTAURANTE E LANCHONETE SABRINA foi citada por
edital após a própria corré VIXX ter apresentado sua defesa, o que a torna tempestiva. Outrossim, não há que se falar em
ilegitimidade passiva da ré VIXX, pois é a credora da dívida atribuída à parte autora foi protestada/negativada (fl. 23), o que a
torna idônea para responder ao processo. O fato de haver uma instituição financeira (no caso, a CEF) como apresentante do
protesto não exclui eventual responsabilidade da referida ré, que apenas se utilizou de um serviço prestado pelo banco (a
apresentação de protesto) para tentar receber os valores que entende devidos. Trata-se de simples interpretação a contrario
sensu da Súmula 476 do STJ (“O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de
protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário”). Por fim, aplica-se ao caso a teoria da asserção, por meio da qual o
juiz analisa as condições da ação de forma abstrata, a partir das alegações (assertivas) da parte autora. Com efeito, afirmando
a parte autora que a parte ré é a responsável pelas cobranças, ela deve figurar no polo passivo. Eventual constatação de que
não seria a quem tenha a responsabilidade para tanto implicará a improcedência da demanda, não a extinção sem mérito do
processo. No mais, o feito comporta julgamento no estado em que se encontra, sendo desnecessária a produção de outras
provas senão as carreadas aos autos; e, inexistentes outras preliminares ou nulidades a serem sanadas, passo ao mérito. A
demanda é parcialmente procedente em face da ré VIXX, sendo o caso, no entanto, de extinção do feito sem resolução do
mérito, com relação à ré BAR E RESTAURANTE E LANCHONETE SABRINA. Explica-se. A parte autora alega não ter efetuado
qualquer negócio junto à ré VIXX, aduzindo ter tido seu CNPJ utilizado de forma indevida pela ré BAR E RESTAURANTE E
LANCHONETE SABRINA, sendo vítima de fraude, portanto. Conforme já adiantado na decisão de fls. 42/43, o autor demonstrou
que é pedreiro, atuando como microempresário individual nesta comarca, conforme registro na JUCESP desde 2015 (fls. 16/17),
comprovante de residência (fl. 15), e seu trabalho anterior de pedreiro com registro em carteira também nesta comarca (fls.
30/32). Por outro lado, a inscrição na Receita Federal indica o autor como dono da empresa BAR E RESTAURANTE E
LANCHONETE SABRINA E ACESSORIOS MTO ME, com todos os dados diversos da atividade comumente desenvolvida pelo
autor, dando indícios de possível fraude por ele sofrida. Instada, a Receita Federal esclareceu que, após a criação do CNPJ,
com o devido registro, houve alterações cadastrais, pelo Portal do Empreendedor, nos dias 07/10/2020 e 23/11/2020, com a
inserção de novas informações no que toca ao capital social, número de telefone, atividades econômicas, nome fantasia e
endereço da entidade (fls. 62/65), o que torna clarividente a fraude. Isso porque não faria o menor sentido o autor realizar, ele
mesmo, a alteração dos dados cadastrais de sua microempresa, incluindo o endereço, de modo a tornar impossível o recebimento
das mercadorias em sua própria residência ou em local próximo, mas mantendo o próprio nome. É sem dúvida mais plausível
que o fraudador tenha encontrado alguma falha no Portal do Empreendedor e utilizado o CNPJ da microempresa do autor para
cometer o estelionato. Para manutenção do negócio, como deseja a ré VIXX, deveria ela ter trazido aos autos qualquer
comprovante de que o autor atuou diretamente ou ordenado por preposto no negócio ora contestado, na forma do art. 373, II, do
Código de Processo Civil, por se tratar de fato extintivo do direito alegado, o que não ocorreu. Logo, imperiosa a declaração de
nulidade do negócio em relação ao autor, com a consequente inexigibilidade do débito. Contudo, a declaração de inexigibilidade
apenas se restringe ao protesto de fl. 23, pois os demais (fls. 24/26) indicam credor diverso (“PORCO FELIZ COM CARNE S
LTDA. ME CNPJ 02.220.372/0001-59), envolvendo, portanto, direito de terceiro que não interveio no feito. Por outro lado,
conquanto não se possa desconsiderar o abalo psíquico da parte autora relativamente ao fato de se descobrir a existência de
fraude no CNPJ de sua empresa, com a celebração de negócios como se fosse ele a fazê-lo, situação que ultrapassa o mero
aborrecimento, não há que se falar em condenação da ré VIXX no aspecto, mas apenas da ré BAR E RESTAURANTE E
LANCHONETE SABRINA. Analisando-se a situação com afinco, nota-se que a credora celebrou o negócio acreditando que o
fazia com a corré, já que todos os dados estavam trocados (à exceção conveniente do nome do autor, para vinculá-lo ao
contrato de compra e venda), tendo efetuado o cadastro na forma como os dados foram recebidos (fls. 102/107). Aliás, da
Consulta Pública ao Cadastro ICMS, todos os dados estão nome da corré, e não do autor (fl. 108). Com efeito, não havia como,
de fato, a ré VIXX perceber a fraude, fugindo ao risco do seu negócio. É diferente do que ocorre com as clássicas fraudes em
contratos bancários, nos quais o fraudador se passa pela pessoa de quem ele se apoderou dos documentos. Aqui, o fraudador
não se passou pelo autor, mas se utilizou do CNPJ (o principal dado de uma empresa) de sua microempresa para tal fim. Vejase o E. Tribunal de Justiça: INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. DANOS MORAIS. Adulteração do CNPJ, do objeto social e endereço
da empresa, junto à Receita Federal, para realização de compras fraudulentas em seu nome. Comprovada a fraude. Débito
inexigível. Afastada a revelia da corré BRF, nos termos do art. 345, I, do CPC. Contratação fraudulenta. Dano moral. Inocorrência.
Excludente de responsabilidade. Fato de terceiro. Ausência de nexo de causalidade. Sentença parcialmente procedente.
RECURSO DESPROVIDO. (TJSP;Apelação Cível 1032780-43.2018.8.26.0196; Relator (a):Anna Paula Dias da Costa; Órgão
Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca -3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/08/2021; Data de Registro:
25/08/2021) *** Ação declaratória de inexigibilidade de débito Duplicatas Protestos Contratação fraudulenta Dano moral
Excludente de responsabilidade Fato de terceiro. Restando demonstrado que o sacado teve o seu cadastro de microempresário
individual indevidamente alterado por terceiro fraudador, perante a Receita Federal e a Junta Comercial do Estado de São
Paulo, o qual passou a se utilizar do seu CNPJ, através da constituição de sociedade limitada, tendo celebrado contrato de
compra e venda de mercadorias com a sacadora, que atuou com diligência ao verificador os dados da compradora, não
suspeitando da irregularidade da contratação em razão da sofisticação da fraude, resta afastada a responsabilização desta
pelos danos causados àquele, por decorrerem de fato exclusivo de terceiro. Ação parcialmente procedente. Recurso improvido.
(TJSP;Apelação Cível 1040364-82.2019.8.26.0114; Relator (a):Itamar Gaino; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado;
Foro de Campinas -5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2020; Data de Registro: 12/08/2020) Quem na realidade deverá
arcar com a indenização por danos morais são os falsários, os quais, contudo, não estão consubstanciados na ré BAR E
RESTAURANTE E LANCHONETE SABRINA, mas sem em quem utilizou o seu nome para a fraude. Isso porque a referida ré é,
na realidade, a própria microempresa da parte autora, pois, repita-se, terceiros acessaram o Portal do Empreendedor e utilizaram
o CNPJ dessa microempresa para alterar todos os dados, exceto convenientemente o seu titular, permanecendo a parte autora.
Em outras palavras, juridicamente foi a parte autora quem celebrou o contrato contestado com a ré VIXX, de modo que o nome
BAR E RESTAURANTE E LANCHONETE SABRINA E ACESSÓRIOS MTO ME se trata de uma mera ficção criada pelos falsários,
estes sim, que devem responder pelo estelionato e pelos danos morais sofridos pela parte autora. Eventual condenação de BAR
E RESTAURANTE E LANCHONETE SABRINA E ACESSÓRIOS MTO ME seria, na prática, contra a própria parte autora, pois,
com o início da execução, ao indicar o CNPJ para pesquisa de bens, recairia evidentemente para a microempresa da parte
autora. Logo, é o caso de extinção do feito com relação a BAR E RESTAURANTE E LANCHONETE SABRINA E ACESSÓRIOS
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º