TJSP 31/07/2017 -Pág. 2310 -Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 31 de julho de 2017
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano X - Edição 2399
2310
local de moradia e óbito de Geny (fls. 155), enquanto que o telefone em nome de Geny, ainda da antiga Telesp, desde os idos
de 1982, já estava instalado no local onde Maria de Lourdes sempre declinou residir, ou seja, na rua Assungui, 548 (fls. 185).
Geny, desde 1995, recebia correspondências pessoais na casa de Maria de Lourdes (fls. 163). Some-se a isso que, consoante
se observa do contrato de seguro emitido pelo Banco Santander, a autora foi indicada como beneficiária da falecida Geny
Schnur (fls. 123/124).Tamanha confusão patrimonial, por tanto tempo, indica a existência de relacionamento afetivo que vai
além de simples amizade.Amigos ou irmãos de criação, ademais, muito embora nutram afeto um pelo outro, dificilmente
comungam dos mesmos interesses por toda a vida, sequer regem sua vida ou patrimônio sempre vinculados, um ao outro.O
simples fato da falecida se declarar solteira perante a Receita Federal, ou receber pensão por morte de seu genitor, junto a
Polícia Militar, por ser supostamente solteira, não é indicativo da inexistência do relacionamento em questão ou óbice para o
seu reconhecimento.De fato, sabidamente, são inúmeros os casos de pessoas em semelhante situação que deixam
propositadamente de informar ou mesmo de formalizar qualquer tipo de união ou relacionamento exatamente para não perderem
o direito ao recebimento da referida benesse. Ainda a corroborar as assertivas da requerente está a prova testemunhal colhida
no decorrer da instrução.A propósito, consigne-se que, em seus depoimentos pessoais, os réus Jarbas e Guilherme admitiram
que mantiveram contato com a falecida Geny apenas durante a infância, de modo que, na realidade, nunca souberam de nada
sobre a vida da tia (fls. 341 e 345). A requerida Salme, por sua vez, a única que teria mantido contatos esporádicos com a tia,
depois da época de infância, admitiu que a autora era pessoa do círculo de relacionamento da falecida Geny, tendo sido por ela
inclusive apresentada à família, na época, como uma amiga que trabalhava com ela no hospital São Paulo (fls. 339/340). Deste
modo, ainda que não soubesse do relacionamento entre elas, confirmou que Geny até apresentou Maria de Lourdes à família, o
que é mais um indício a apontar que ambas estavam sempre juntas, por todo o período, inclusive conhecendo uma a família da
outra. As testemunhas ouvidas em juízo, por seu turno, confirmaram não apenas o convívio entre a autora e a falecida, como
também o relacionamento havido entre elas.Elika Sayuri Umeki relatou que foi dentista da autora e de Geny acerca de onze
anos, as quais lhes confessaram que seriam companheiras, uma pagando o tratamento da outra (fls. 346).Orlando Alves Torres
declarou que conheceu a autora e a falecida Geny através de um companheiro que teve há vinte anos atrás. Naquela época,
segundo ele, era muito difícil manter relacionamento homoafetivo, como o do depoente e seu companheiro e o delas, porque
havia muito preconceito. Confirmou que, no caso delas, era ainda mais difícil pelo fato de uma ser branca e a outra ser negra.
Naquela época Lurdinha organizava viagens e chegaram a viajar todos juntos para o sul. Embora elas se apresentassem como
irmãs, todos sabiam que eram companheiras. Por causa do preconceito, bem como em razão da mãe de dona Lourdes, não
moravam sob o mesmo teto. No entanto, faziam tudo juntas: iam buscar camarão em Santos, almoçavam juntas, faziam compras
juntas, e iam ao banco toda segunda-feira juntas. Dona Geny sempre teria sido mais reservada e, com o tempo, foi ficando cada
vez mais introspectiva e com hábitos esquisitos. Teria sido o depoente quem pagou o enterro de Geny, sendo reembolsado pela
autora (fls. 347). Berenice Moreira mencionou que conheceu a requerente e a falecida Geny há mais de 20 anos atrás através
de um amigo em comum. Passou a frequentar a casa da requerente. Quando conheceu Geny, em princípio, elas foram
reservadas, mas depois admitiram ser companheiras. Embora cada uma morasse em uma casa, viviam praticamente juntas,
sempre uma na casa da outra. Às vezes ligavam e avisavam que estavam indo para a praia juntas buscar peixe. Voltavam e
ligavam para depoente, mandando-a buscar o peixe porque o freezer estava cheio. A depoente esclarece que Geny sempre
ajudou muito Lourdes, inclusive financeiramente. Quando Lourdes reformou a casa, Geny pagou parte da reforma. E durante as
obras Lourdes foi morar na casa de Geny (fls. 349).Não se diga que o fato da falecida Geny ter sido encontrada sem vida, em
casa, após três dias de sua morte, seria indicativo de que o alegado relacionamento nunca existiu.Consoante esclareceu a
testemunha Orlando Alves Torres, no final de semana que antecedeu a segunda-feira, dia 02/05/2016, data em que encontrado
o corpo de Geny por Maria de Lourdes, houve um encontro de amigos na casa de Dona Lourdes. Como Geny, ultimamente, em
razão da idade, não mais frequentava locais com outras pessoas, optou por não comparecer, permanecendo em sua residência
(fls. 347).Assim, as duas teriam mantido contato, como de costume, até o final da semana, passaram apenas o final de semana
cada qual em sua residência, tendo a autora encontrado Geny morta na segunda feira seguinte, quando foi até lá buscá-la para
as atividades rotineiras da semana.A autora acionou a polícia, e em companhia de amigos providenciou todo o necessário para
liberação do corpo e sepultamento, arcando com o pagamento dos custos daí decorrentes. Por fim, temos que não se poderia
esperar que a autora, uma senhora de 76 anos, nascida na década de 40, que a vida toda, para não expor sua intimidade,
perante aqueles que não eram de seu círculo de amizade, se disse irmã de criação da falecida Geny, com naturalidade
informasse aos policiais militares que compareceram à residência da vítima que aquela era a sua companheira de toda a vida.
Essas circunstâncias, portanto, por si só, não elidem todo o restante da prova produzida.Diante de semelhante cenário, à luz da
robusta prova documental, aliada ao relato das testemunhas apresentadas, ainda que, de fato, não residissem no mesmo
endereço, forçoso concluir que estão presentes os pressupostos da união estável, reconhecida como entidade familiar,
decorrente da convivência pública, contínua e duradoura entre a autora e a “de cujus”, objetivando a constituição de família, a
teor do artigo 1.723 do Código Civil.Todavia, diferentemente do quanto asseverado pela autora, não há prova de que o
relacionamento efetivamente se iniciou a partir de meados de 1960. Não há nos autos prova documental contemporânea à esta
época, vez que as fotografias anexadas não são datadas, sequer apresentam qualquer indicativo do ano em que tiradas.
Igualmente não apresentados relatos de testemunhas desse período. Dessa forma, o termo inicial da união estável há ser
considerado como sendo a data da documentação mais antiga juntada aos autos, dando conta da confusão patrimonial entre
ambas, qual seja, o de fls. 185, que dá conta de que desde de meados de 1982 o telefone de Geny estava instalado na casa de
Maria de Lourdes. Caracterizado, outrossim, que o término do relacionamento se deu apenas com o óbito de Geny, ocorrido em
02 de maio de 2016 (fls. 178).Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado para o fim de
reconhecer a união estável existente entre a autora Maria de Lourdes da Silva Guilherme e a falecida tia dos réus, Geny Schnur,
mantiveram união estável de fevereiro de 1982 a 02 de maio 2016, quando o relacionamento foi dissolvido automaticamente
pelo encerramento da vida em comum, decorrente do óbito da companheira Geny.Ante a sucumbência no tocante a maior parte
do pedido, condeno os réus ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como a arcar com honorários advocatícios
à parte contrária, que fixo em R$ 4.000,00, nos exatos termos do disposto no artigo 85, parágrafo 8º, do CPC.Transitada em
julgado esta sentença, arquivem-se os autos.Publique-se, registre-se e intime-se.São Paulo, 27 de julho de 2017.ASSINATURA
DIGITAL NA MARGEM DIREITA - ADV: BARTOLOMEU FERRARI FILHO (OAB 374949/SP), VINICIUS ROMAGNOLO CARDOSO
(OAB 380194/SP), ROVANI CARLOS LOPES (OAB 224046/SP), GABRIEL JOSE FRANCO DE GODOY BATISTA (OAB 305150/
SP), JOSE MARIA FRANCO DE GODOI NETO (OAB 309334/SP)
Processo 1013929-21.2016.8.26.0003 - Alimentos - Lei Especial Nº 5.478/68 - Revisão - J.M.S. - J.C.G.S.N. - Ciência sobre
as pesquisas Infojud e Bacenjud. - ADV: ANTONIO AMERICO FARIA E SILVA (OAB 173590/SP), ADRIANO DE OLIVEIRA LEAL
(OAB 223631/SP)
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º