TJSP 31/07/2017 -Pág. 2312 -Caderno 3 - Judicial - 1ª Instância - Capital -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: segunda-feira, 31 de julho de 2017
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano X - Edição 2399
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responsabilidades e consequências dos atos que pratica. Tanto assim, que a testemunha ouvida a fls. 262/263, sua colega de
trabalho, relatou: “A depoente afirma que não é costume perguntar para outros integrantes do grupo, qual é o tipo de
relacionamento que está sendo mantido por outros integrantes. Pode afirmar no entanto que é corriqueiro entre cirurgiões,
comentar em tom de brincadeira que não é adequado acordar pela manhã na residência da pessoa com a qual esteja mantendo
um relacionamento, a fim de evitar vínculos. Indagada se o vínculo a ser evitado é simplesmente sentimental ou obrigacional/
patrimonial, respondeu que todos os vínculos”. Percebe-se daí, que no ambiente de trabalho do réu havia preocupação com as
consequências que poderiam advir, de simples pernoites na companhia de pessoas com as quais os membros do grupo se
relacionavam. Com elevada instrução e discernimento, boa maturidade e comprovada consciência de como se caracteriza uma
união estável, bem como das consequências que dela podem advir, nada convence que o réu tenha subscrito os três documentos
em análise, um deles por instrumento público, por ingenuidade ou por mera solidariedade.Somente por isso já seria caso de
reconhecer, que os documentos de fls. 163, 11/12 e 24/26 prevalecem sobre as provas orais produzidas a pedido do réu em
audiência, para comprovação de que o relacionamento amoroso mantido pelas partes não foi um simples namoro, mas sim
união estável conforme foi livremente reconhecido pelo réu em três ocasiões distintas.Como se não bastasse, a natureza de
união estável que teve o relacionamento amoroso mantido pelas partes foi evidenciada por outras provas, tais como: 1) pelo
depoimento pessoal do próprio réu (fls. 260/261), onde este reconheceu que durante todo o relacionamento proporcionou à
autora regular amparo material, auxiliando-a sempre que necessário no pagamento de suas despesas pessoais e familiares,
suporte financeiro que não ocorre, menos ainda durante doze anos, entre simples namorados; 2) pela aquisição (fls. 24/36), em
conjunto com a autora, de um imóvel financiado, destinado à residência desta e do seu filho, posto se tratar de comportamento
estranho entre namorados, a não ser que haja planos para casamento, ou para conservação de união estável já estabelecida,
como no caso dos autos; 3) pela aquisição desse imóvel pelo réu, em conjunto com a autora, mesmo tendo plena consciência de
que esta última não conseguiria sozinha arcar com o pagamento do respectivo financiamento (confira-se depoimento pessoal do
réu a fls. 260/261), configurando-se entre ambos relação de dependência financeira reveladora de união estável e não de mero
namoro; 4) pela preservação do relacionamento por mais de uma década, interregno excessivo para um mero namoro,
circunstância que evidencia interesse em constituir família; 5) vida social conjunta de alta intensidade, inclusive com as
testemunhas do réu, comprovada pelos respectivos depoimentos testemunhais como também pela farta prova fotográfica
produzida ao longo do processo; 6) pela fidelidade da autora ao réu, mesmo sendo mulher jovem e, ele, homem maduro, posto
não existir uma prova sequer em contrário (aliás, em sua defesa o réu simplesmente alega que o casal não fez pacto de
fidelidade, porém nem sequer alegou que a autora teria sido infiel; assim, se infidelidade houve, foi exclusiva do réu, conforme
relataram suas testemunhas, o que pesa contra ele mas nenhum efeito produz contra a autora); 7) pela utilização que a autora
ainda faz de um veículo de propriedade do réu (fls. 56), que foi por ele disponibilizado quando as partes ainda mantinham
relacionamento, circunstância que reforça a conclusão da existência de união estável e não de simples namoro; 8) porque as
afirmativas feitas pela autora durante depoimento pessoal (fls. 257/259), de que participava ativa e intensamente das atividades
sociais e familiares do réu, foram confirmadas pelas fotografias e mensagens eletrônicas reproduzidas durante todo o decorrer
do processo, em especial pelas contraprovas de fls. 276/444; 9) porque também foram confirmadas pelas fotografias e
mensagens eletrônicas reproduzidas durante todo o decorrer do processo, em especial pelas contraprovas de fls. 276/444, as
afirmativas feitas pela autora durante depoimento pessoal (fls. 257/259), de que prestava apoio ao réu e aos seus familiares
(mãe e filhos), nas urgências como por exemplo durante internação hospitalar da mãe do réu e nas crises familiares da filha do
réu, como também nas necessidades diárias (compras, transporte, etc.).É indiferente que as partes tenham optado por manter
residências separadas, pois a vida em comum sob o mesmo teto não é requisito indispensável para a caracterização da união
estável. Principalmente porque, tal opção foi no caso plenamente justificada, em face da intenção das partes de manterem os
núcleos familiares pré-constituídos: a autora com o filho advindo do seu relacionamento anterior, e o réu com sua mãe e os dois
filhos advindos do seu casamento desfeito.A alegada intermitência do relacionamento foi até certo ponto confirmada pela
primeira testemunha da instrução, porém a terceira testemunha relativisou a questão ao informar que as brigas não foram tão
prolongadas como o réu sustentou, podendo ter perdurado por apenas “um mês ou coisa assim” (fls. 266). Brigas são comuns
entre casais, e no caso foram agravadas pela colidência de gerações, por conta da elevada diferença de idade das partes.
Ademais, em face da inexistência de vida em comum para preservação dos núcleos familiares, é compreensível que: a) tenham
sido dificultadas as reaproximações, porque as partes não se viam no seu dia a dia; b) a disponibilidade de familiares dentro de
sua própria casa, reduzia o sentimento de solidão e permitia que os companheiros protelassem a solução dos conflitos. É
irrelevante que a autora, em uma correspondência eletrônica pessoal remetida ao réu, ao se referir ao relacionamento das
partes, tenha empregado a expressão “nosso namoro”. Estranho seria que, em correspondência pessoal, a autora dissesse
“nossa união estável”, expressão nada romântica e além de tudo não usual. Ademais, não se confunde mera correspondência
pessoal, onde a exatidão das expressões não são essenciais, com as declarações formais prestadas pelo réu, reproduzidas a
fls. 11/12, 24/36 e 163, nas quais ele reconheceu expressamente a existência da união estável.Em síntese, em tudo e por tudo
a prova dos autos convence que não houve simples namoro entre as partes, mas verdadeira união estável, de 03 de fevereiro
de 2001 a 20 de abril de 2013, de forma que o respectivo pedido formulado na inicial é parcialmente procedente. Fica afastado
apenas o período de abril de 2013 a abril de 2014, que a própria autora em seu depoimento pessoal reconheceu ser inexato.III
Definida a natureza do relacionamento mantido pelas partes, cabe analisar suas consequências quanto à partilha postulada na
inicial.Houve variação no tempo, do regime jurídico que rege a comunicação de bens entre os companheiros.III.1 Em passado
remoto, a união estável e seus efeitos eram interpretados por construção pretoriana, coroada pela Súmula 380 do Supremo
Tribunal Federal, “verbis”: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução
judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.Note-se que para ser partilhável, o bem precisaria ser
adquirido pelo esforço comum. Todavia, tal regime jurídico não se aplica ao caso dos autos, porque deixou de vigorar em janeiro
de 1996, portanto muito tempo antes do da união estável das partes, que foi iniciada em 2001. III.2 Outra é a solução, quanto ao
período de 10 de maio de 1996, quando entrou em vigor a Lei 9.278/1996, até 09 de janeiro de 2003, véspera da entrada em
vigor o novo Código Civil.A Lei 9.278/1996, no “caput” do seu artigo 5º estabeleceu: “Os bens móveis e imóveis adquiridos por
um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da
colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato
escrito”.Por falta de expressa exigência legal, a partir de então não se exigiu mais o esforço comum. É regra comezinha de
hermenêutica, que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Em consequência, com a devida “venia” quanto
aos entendimentos contrários, na vigência da Lei 9.278/1996, basta que o bem tenha sido adquirido a título oneroso na
constância da união estável, para que ele se comunique entre os companheiros. Em síntese, de 03 de fevereiro de 2001 quando
teve início a união estável em questão, até 09 de janeiro de 2003, a comunicação de bens entre a autora e o réu é regida pela
Lei 9.278/1996, pela qual não se exige esforço comum para que os bens adquiridos a título oneroso sejam partilhados.III.3
“Mutatis mutandis”, a mesma solução adotada no item anterior se aplica, também, ao período de 10 de janeiro de 2003 em
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º